Em foco: "Carta da Islândia - A Grande Ilusão" - João Moreira Salles

Resenha escrita por Jacques Lage

Idéias centrais do texto


O texto descreve a partir de um contexto histórico o "perigeu" e "apogeu" da Islândia.
O país foi colonizado por Povos Vikings (em 876), os quais trouxeram suas mulheres e devastaram todos os recursos naturais da ilha, o que gerou fome e escassez dos bens mínimos para sobrevivência, toda essa adversidade (frio, falta de alimentos, isolamento geográfico) "gerou um povo obstinado e independente".
O país fora colonizado pela Noruega (1262);Dinamarca (1380; e finalmente consegue a independência em 1944.
No início tudo o que sustentava a Islândia enquanto uma nação era sua saga. Segundo Auden, escritor citado no texto, "Os Islandeses sabem que pertecem a uma nação porque além do gelo e do oceano, eles têm as sagas."
A noção do bem comum era a predominante tudo o que eles tinham de valioso era a energia geotérmica, os peixes e as sagas e todos tinham igual acesso à esses recursos. Ainda de acordo com Auden (1936) "[...]eles foram a única sociedade realmente sem classes que já encontrei, e não se tornaram vulgares."
...
Em 1990 entra um novo governo com novas idéias, era "hora de trazer a Europa para perto" Davíd Odsson prefeito de Reykjavík (1982-1991)"[...]convidou economistas liberais (Milton Friedman e Friedrich Hayek) a visitar sua cidade e deles ouviu propostas para desengessar o modelo islandês[...]".
Começa então a liberalização do país:
- Privatização das empresas de pesca;
- Redução de impostos;
- Aumento de 17% na renda média das famílias
- Em 2003 Privatiza e consolida o sistema bancário, que passou a ser dominado por três grandes bancos: Kaupthing, Landsbanki e Glitnir.
A privatização e consolidação desses bancos permitiu aos Islandeses o acesso ao crédito. Começa uma corrida pra fora da ilha para apropriação de coisas e expansão de negócios, surge então a expressão útrás formada por út (para fora) e rás (corrida), a Islândia se torna-se "o país dos empreendedores" em busca pela "tomada do mundo".
A sociedade prospera, mas então alguns (20 a 30 pessoas) prosperam mais. Começa a surgir diferenças entre os mais ricos e o resto da população, começa a aparecer as classes, desigualdade desconhecida na ilha até então.
Ocorre o desenvolvimento vertical da cidade...
Todo a estrutura econômica e o dinheiro que circulava no país girava em torno dos três bancos (triple A), que passam a atingir mercados externos. Todos queriam trabalhar no banco, faltavam professores... porque trabalhar no banco era melhor.
Os bancos estimulam o crédito. A população começa a se endividar no exterior com cartões do Triple A.
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15 de Setembro de 2008 - O Lehman Brothers pede concordata. "A quebra do Lehman foi a ducha gelada. De uma hora para outra os investidores constataram que, se um baluarte de Wall Street capaz de atravessar incólume a crise de 29 podia virar pó, então todos estavam em risco — principalmente os aventureiros."
29 de Setembro de 2008 - Glitnir pede concordata.
7 de outubro de 2008 - o Landsbanki quebra, levando junto o banco virtual Icesave.
"Alistair Darling, ministro das Finanças da Inglaterra, liga à tarde para seu colega islandês, Árni Mathiesen, e os dois tiveram uma conversa que se transformaria num dos capítulos mais contenciosos da crise. O jornal Financial Times conseguiu uma transcrição do diálogo. Darling queria saber se o governo da Islândia, que acabara de estatizar o Landsbanki, compensaria os 300 mil correntistas ingleses do Icesave. “Espero que sim”, respondeu Mathiesen, “mas não posso garantir isso agora. Estamos trabalhando dobrado para solucionar o problema. Não queremos ter esse peso sobre a nossa cabeça.” No dia seguinte, Darling declarou à BBC: “O governo da Islândia, acreditem ou não, me disse ontem que não tem a intenção de honrar suas obrigações conosco.”

8 de outubro de 2008 - Gordon Brown anuncia que o Reino Unido poderia processar a Islândia, cujos bens em solo inglês estavam desde já congelados. O instrumento que dava legalidade ao congelamento era precisamente a lei antiterrorismo do 11 de Setembro.
As reservas em moeda estrangeira do Banco Central da Islândia estavam depositadas no BC inglês. A Islândia não dispunha mais de um só euro ou dólar.
A medida de Brown, abafa uma notícia importante: o único banco Islandês ainda de pé, o Kaupthing, conseguira naquele mesmo dia um empréstimo do governo sueco. O Kaupthing, o maior dos três bancos, a maior empresa da Islândia, a mais bem gerida, era até o momento um banco solvente, e a ajuda sueca lhe dava liquidez. Não adiantou. A Islândia já se tornara um pária do sistema financeiro internacional. O Kaupthing quebrou e foi nacionalizado no dia seguinte, 9 de outubro.
Em menos de uma semana o sistema econômico-financeiro da Islândia foi à bancarrota.
A dívida proveniente dos bancos eram superiores ao PIB da Islândia, os cartões de crédito não eram mais aceitos, os Islandeses eram discriminados. Aqueles que depositaram dinheiro no Triple A diziam ao eles, "devolvam meu dinheiro!"
"Não perdemos apenas dinheiro. Perdemos também o orgulho de sermos sensatos, justos, de não sermos vulgares”

Sobram ainda 20 a 30 milionários na ilha pela primeira vez, se evidencia a divergência de classes sociais na Islândia.
"[...] Thór Jóhannesson, de 33?anos, estudante de literatura prestes a se licenciar como Professor Islandês. Ele está espantado com a dimensão dos protestos: “Quando Oddsson apoiou a in-vasão do Iraque (chegamos a mandar um soldado — na verdade, uma mulher), 80% dos islandeses se opunham, mas apenas uns 200 protestaram. O que está acon-tecendo é absolutamente novo. O estado das coisas é o pior possível. Os políticos estão ligados aos banqueiros, que estão ligados aos grandes grupos empresariais. Esse país é um grande incesto. A cada dia se parece mais com a Rússia, só que sem os cadáveres. Uns vinte ou trinta caras são os nossos oligarcas. Tudo foi dado a eles pelo governo, dos bancos às permissões de pesca. O direito de explorar as águas da Islândia pertence agora a quinze ou vinte companhias, só elas têm o direito de pescar comercialmente. E nós perdemos tudo: dinheiro, emprego e vergonha.”

A população protesta...
"O país vive o dilema de querer ou não ser novamente a Islândia de modestas expectativas. “Há o risco de nos sentirmos irrelevantes e provincianos”[...]"
1998 havia sido aprovada uma lei onde o patrimônio genético islandês é privatizado.
O país perdeu a dignidade, o orgulho, o acesso igual aos recursos naturais. O que sobrou foi a desigualdade, miséria e centenas de obras inacabadas e guindastes parados em pleno dia útil.

Impressões

Algumas palavras-chave que podem definir esse texto são: Globalização, capitalismo, desigualdade social, valores morais, nação.
O texto nos mostra uma sociedade "forjada no fogo" onde não haviam divergências sociais, onde o bem da nação era comum e bem distribuído a todos. Uma nação construída em cima de bases como as sagas e o bem coletivo. Essa sociedade então resolve "entrar na dança" muda radicalmente suas bases econômicas assumindo os ideais capitalistas. Assim o capitalismo atinge a ilha com suas promessas de fartura e abundância econômica, cultural e de bens e serviços. São privatizados: a exploração dos recursos naturais, a energia, os bancos... A ilha prospera por um período é estimulado o consumo de bens, e gera-se uma população altamente consumista onde os bens deixam de ser as sagas e passam a ser materiais. Logo após experimentar o ápice do sistema, o apogeu econômico, a crise econômica mundial atinge o sistema econômico da ilha e leva embora a capacidade de consumo dos Islandeses, o direito de todos ao acesso aos recursos naturais, o orgulho e a honra. Deixa um legado de desigualdade social, obras inacabadas, miséria, e frustração.

Referência Bibliográfica
Salles, João Moreira, "Carta da Islândia - A Grande Ilusão", Revista Piauí.

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