"MINHA NOITE COM ELA" - Eric Rohmer

Texto de estudo para o debate: http://aim.org.pt/atas/pdfs/Atas_VII_20_Garcia.pdf






"MINHA NOITE COM ELA"


Eric Rohmer permite que o discurso seja cotejado pela imagem

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O título engana: "Minha Noite com Ela" (1969) sugere uma safadeza que esse filme não tem. Ou até tem, em parte, mas não aquela em que se pode pensar a partir do título.
Como é um filme de Eric Rohmer -o quarto da série "Contos Morais"-, a maior parte do tempo conversa-se. E como o protagonista-narrador (Jean-Louis Trintignant) é católico, a fé é central nas discussões com o amigo Vidal (Antoine Vitez) e mesmo com Maud (Françoise Fabian). A fé e, mais precisamente, Pascal, que o narrador renega por seu catolicismo intransigente.
Tudo aqui também diz respeito à sedução. Pois o narrador decidiu que vai se casar. E vê na igreja Françoise (Marie-Christine Barrault), a garota com quem decidiu casar, embora ela nem saiba de sua existência. E Maud pretende seduzir o narrador. Divorciada, livre, bela, ela tem tudo que um homem poderia querer -por uma noite, pelo menos. Mas transar com Maud seria, para ele, uma traição a seus sentimentos, à sua fé, a suas convicções amorosas.
No entanto, Maud é sedutora, e a dúvida é: o homem cederá ou não? Sabe ele, de fato, o que quer? Questão mínima, embora relevante. São assim os "Contos Morais": alguém tem uma crença; uma dúvida vem colocá-la em questão. Estamos no domínio da vida cotidiana, a mais normal possível, vendo à nossa frente pessoas também normais.
O narrador supõe que é possível viver em contradição (ter fé e amar as mulheres) sem deixar de ser católico. Isso implica se abrir à ambiguidade. E é disso, a rigor, de que trata o filme. Não apenas a suposta na questão imediata que enfrenta o protagonista, mas a outra que vai da palavra à imagem.
A maior crítica que se fez durante um bom tempo a Rohmer foi a de que seus filmes eram tão literários que nem precisariam ser filmados. Mal-entendido típico, que se abate sobre filmes em que se fala muito. Talvez seja possível ver de outra forma: o que se fala não conta tanto quanto as fendas que o discurso revela, sua capacidade de ser cotejado pela imagem.
Porque as imagens são, aqui, o discreto fundamento de tudo. Imagens que se devem, no caso, a outro mestre, Nestor Almendros.


Minha Noite com Ela
Título original: "Ma Nuit Chez Maud"
Produção: França, 1969
Direção: Eric Rohmer
Com: Jean-Louis Trintignant, Françoise Fabian e Marie-Christine Barrault

Nenhum comentário:

Postar um comentário