Fahreinheit

FAHREINHEIT 451:
Direção: François Truffaut
Ano: 1966
Roteiro: David Rudkin, François Truffaut, Helen Scott, Jean-Louis Richard
Elenco: Alex Scott, Ann Bell, Anna Palk, Anton Diffring, Bee Duffel, Caroline Hunt, Cyril Cusack, Jeremy Spenser, Julie Christie, Oskar Werner
Produção: Lewis M. Allen -  Fotografia: Nicolas Roeg
Trilha Sonora: Bernard Herrmann

Sobre o diretor
Dirigida por Truffaut (1966) o filme é uma adaptação da obra escrita em 1953 (SEGUNDA PÓS-GUERRA) por Ray Douglas Bradbury, com trilha de Bernard Herrman (o mesmo que fez a trilha sonora de Psicose, de Hitchcock, mostrando o quanto Truffaut apreciava o cineasta inglês de quem tomou influências).
Sabe-se que o diretor não gostou muito do filme por julgar que o mesmo deveria ser realizado em francês, por isso ele mesmo fez o roteiro, mas o filme permaneceu em língua inglesa, para sua decepção.
realizei um filme intitulado Fahrenheit 451, que descrevia, para estigmatizá-la, uma sociedade imaginária no qual o poder queima sistematicamente todos os livros; quis, portanto, fazer minhas idéias de cineasta coincidirem com as minhas ideias de cidadão francês”. (TRUFFAUT, 2005, p. 316-317: O prazer dos olhos, escritos sobre o cinema, 2005)

O filme:
O tema alude o dia 10 de maio de 1933, quando oficiais do Nazismo queimaram obras de intelectuais que eram considerados inimigos de Hitler.
O título, FAHRENHEIT 451 remete à temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233º graus Celsius, portanto, bem elevada.
A ave Fênix (RENASCIDA DAS CINZAS) decora o prédio de número 451,  do corpo de bombeiros aonde trabalha o personagem principal Guy Montag, interpretado por Oscar Werner e Julie Christie, que já haviam feito “Jules e Jim, do mesmo diretor.
Para assegurar o controle absoluto do estado, os bombeiros, na contramão da profissão, “apagar incêndio”, eram responsáveis pela incineração de livros, revistas e todo material impresso que sugerisse qualquer pensamento consciente ameaçando a perda do controle por parte do regime totalitário dessa sociedade.
A trama inicia com um narrador extradiegético (algo incomum à época) apresentando os personagens como se estivessem presentes no enunciado (enredo). Esse é um dado importante no filme, pois aborda a questão da oralidade e da memória, as quais serão importantes no desenrolar da ficção por denotarem a presença da figura do narrador.
Algumas cenas aparentemente banais contêm uma possível chave de leitura, a exemplo da cena em close up das casas e antenas de TV anunciando o vazio, o espetáculo e a alienação. Já a música que toca enquanto o narrador apresenta o filme. Já o plano-sequência, criado por André Bazin, aponta para as “relações contidas simultaneamente numa mesma imagem, os movimentos da câmera e a exploração de um espaço que se abre continuamente revelam o essencial” .
As cores são pálidas e cinzas salvo a do carro de bombeiro e a que aparece nas tecnologias (TV) da casa e durante a queima de livros.

Personagens:
Guy Montag: bombeiro, casado com Linda. Excelente servidor do Estado, prestes a ser promovido a capitão, dada sua eficiência. Ele não pensa sobre o que faz, apenas executa, até conhecer Clarisse.
Linda e Clarisse – ambas interpretadas por Julie Christie: Enquanto a esposa de Montag, Linda, é viciada em comprimidos e nos programas socialmente apáticos de TV que assiste com as amigas (sociedade do espetáculo), Clarisse será a responsável pela centelha e conscientização de Montag, que passa a ler avidamente os livros que consegue salvar da incineração.
Capitão Beatty: austero conhecedor de vários trechos literários que utiliza pra mostrar o quanto são ambíguos e incitadores de sentimentos ruins  como angústia, tristeza, inveja.  Assim, esconde o poder de reflexão a que o livro conduz. 
A denúncia que o filme traz na cena em que  Montag queima livros e a TV – metaforiza a queima de seu passado alienado e de dominação pela “família”, programa de televisão ao qual Linda não perde. A queima de livros metaforiza, ainda, a queima de opinião, de individualidade  tornando a sociedade homogênea e  despersonalizada, logo, passível de controle.
Memória, oralidade e tradição são elementos importantes para a compreensão do enredo. Montag Começa a ler e tenta convencer a esposa, que se recusa a acompanhá-lo e acaba por denunciá-lo ao capitão Beatty. Ao fugir chega para uma floresta enquanto perseguido por Beatty e seus homens, Montag encontra os homens-livros: indivíduos–suportes que asseguram a memória contida nos livros, estes detentores do registro de conhecimento.
Eles memorizam o livro e o queimam; depois narram a história aos mais jovens que deverão fazer o mesmo, memorizar e assim, perpetuar as histórias ouvidas.
Memória (ESQUECIMENTO/LEMBRANÇA) e oralidade: fusão entre ambos nos homens-livro remetem à conservação/preservação da história da humanidade e do conhecimento (o passado sem o qual o presente e o futuro inexistem).
Tradição: passar para as gerações futuras o legado do conhecimento adquirido há muito assegurando a história humana.
Memória: sociedade padronizada não assegura a memória, logo, não contém história, passado, não há vestígios de cultura que permitam conhecer as gerações anteriores.
Benjamin: experiência e memória: os homens são privados de experiência porque a guerra comprometeu sua memória mediante a tristeza da morte interna e exterior a ele.
Em Fahrenheit essa tentativa de apagar a memória decorre do sistema totalitário que tenta mitigar a consciência individual e coletiva e a resistência se configura nos homens-livros. Por isso ser fundamental a figura do NARRADOR (Benjamin):
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. (...). Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à inclinação de recontá-la um dia. (...) Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. (BENJAMIN, 1994,p.3)
A obra trata de uma sociedade distópica, ou seja, totalmente contrária ao ideal utópico, a mercê do regime totalitarista (ditatorial) imposto pelo governo e tanto a literatura quanto o cinema representariam a resistência, a liberdade, a informação, a formação intelectual, ética, estética, religiosa, etc.

Por Dalva Lobo.




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