O Garoto (The Kid) - 1921

Resenha escrita por Luciana Azevedo Rodrigues

O cinema mudo de Charles Chaplin assistido numa época de tantos sons, encanta ao lembrar quão importante é o silêncio para a palavra, para o pensamento e para a vida humana. O filme The Kid - O Garoto - de 1921, mostra a difícil trajetória de uma relação de afetividade entre o digno vagabundo e um garoto abandonado pela mãe, quando recém-nascido; filho de uma atriz e de um pintor que, ao longo do enredo do filme se tornam famosos e sofrem a culpa de terem negado o vínculo amoroso de um pelo outro em prol do sucesso e reconhecimento. Ao se arrepender por abandonar o filho dentro de um carro a mãe retorna para pegá-lo de volta, descobre que o carro foi roubado. Os ladrões ao descobrirem o bebê, jogam-no ao lado de latas de lixo. Carlitos, tão despreocupado com o que vinha dos céus e tão envolvido com as coisas do chão, encontra a criança e mais do que depressa, tenta encontrar alguém que possa ficar com ela, liberando-o dessa responsabilidade. A luta para não ficar com a criança cessa quando ele vê que não há alguém que possa cuidar dela senão ele, tão sem jeito, tão vagabundo. Ao longo de cinco anos, o garoto e Carlitos dedicaram-se um para o outro na luta pela sobreviência e, mesmo nessa dedicação, no jeito de Carlitos cuidar da higiene do garoto, é difícil não comparar o lustre que ele dá na pele do garoto com o do sapato, ou do carro quando ao mesmo tempo confere se o menino se limpou adequadamente.

A própria idéia de adequação é colocada em xeque a todo momento no filme, como se não fosse mais possível falar em adequação, quando a organização das relações se adequam cada vez mais as necessidades de reprodução do sistema econômico pautado no lucro, no Capital. Isso ocorre de modo explicito quando a figura do médico e dos oficiais de justiça, que ideologicamente são aqueles a quem compete cuidar são apresentados como aqueles que se negam a perceber o que precisa de cuidados.

Nesse sentido, o vagabundo cuida e sofre a perda quando o garoto é retirado não de sua cama, de uma cama qualquer, onde ambos dormiam carinhosamente. Levado pelo dono da cama alugada até o juizado de menores, devido a alta recompensa oferecida no jornal, o Garoto é recuperado por sua mãe, que ao ficar famosa também passou a fazer caridade nas imediações da casa onde Carlitos e o Garoto moravam. Em uma de suas passagens por ali, a atriz descobre que o garoto era seu filho abandonado. O filme termina com o aperto de mão entre policial e vagabundo, com o “carinhoso” beliscão do policial na bochecha do garoto na porta da bela casa da atriz. O que se poderia dizer sobre os significados desta última cena? Esta é uma dentre as várias questões que o filme leva a pensar. Seu silencio, assim, fala muito mais que muitas falas de hoje em dia!

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