Resenha do filme “Trama Macabra” (1976) de Alfred Hitchcock

Por: Camila Sandim de Castro e Márcio Norberto Farias  

FICHA TÉCNICA
Título original: Family Plot
Ano de lançamento: 1976
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Ernest Lehman, baseado no romance de Victor Canning
Duração: 121 minutos
Elenco: Barbara Harris (Blanche), Bruce Dern (George), William Devine (Arthur), Karen Black (Fran)



                “Family Plot” lançado em 1976 e traduzido para a língua portuguesa como “Trama Macabra” foi o último filme produzido por Alfred Hitchcock. O roteiro do filme é baseado na obra “The Rainbird Pattern” (1972) de Victor Canning e escrito por Ernest Lehman, roteirista de “Intriga Internacional” (1959). Segundo François Truffaut o que mais lhe interessava em “Trama Macabra” era “[...] a passagem de uma figura geométrica a outra. Duas histórias apresentadas, primeiro, em paralelo, e que depois se aproximam, se entrelaçam para formar uma só, bem no final da narrativa. Essa construção o excitava e lhe dava a impressão de enfrentar uma dificuldade inédita” (TRUFFAUT, 2011, p.239).  A narrativa fílmica[1] conta a história da médium Madame Blanche (Barbara Harris) que com a ajuda de seu namorado George (Bruce Dern), um ator desempregado que ganha a vida como taxista, iniciam uma caçada ao sobrinho bastardo de uma cliente de Blanche que vive atormentada por ter obrigado a irmã a entregar seu filho para a adoção. Como recompensa Julia Rainbird promete dar 10 mil dólares se Blanche conseguir encontrar o sobrinho desaparecido utilizando sua mediunidade, seus “poderes sobrenaturais”. Blanche e George procuram por pistas que possam levar ao paradeiro do tal sobrinho de Julia Rainbird, enquanto o casal Arthur (William Devane), um joalheiro, e Fran (Karen Black) sequestram pessoas afortunadas e as trocam por valiosos diamantes. As pistas encontradas por Blanche e George levam o casal a se encontrar com Arthur e Fran.
                “Trama Macabra” recebeu críticas em relação à simplicidade do roteiro, à trilha sonora e à escassez de aspectos psicológicos na poética fílmica e nos personagens. No entanto, é preciso considerar o momento em que o filme foi produzido, ou seja, no final da carreira de Hitchcock que já não trabalhava com pessoas que foram importantes para sua consagração como “mestre do suspense” como o músico Bernard Hermann. Além disso, o diretor já estava com 75 anos de idade. Alguns elementos explorados por Hitchcock ao longo de sua filmografia estão presentes em “Trama Macabra” como é o caso do humor em que o diretor parece fazer uma crítica à mediunidade/espiritismo ao mostrar Blanche como uma médium charlatã que não acredita em sua própria mediunidade. Ou ainda, ao trabalhar com cenas trágico-cômicas quando o casal Blanche e George veem suas vidas em perigo quando se encontram dentro de um carro que está desenfreado em meio a uma rodovia. Essa cena mostra ao mesmo tempo o pavor vivido pelo casal diante da sensação de quase morte quando o carro em que estão por pouco não colide com outros automóveis que circulam pela rodovia. E o comportamento histérico e engraçado de Blanche por atrapalhar a todo o momento a visão e a atenção de George que conduz o veículo ao  tapar os olhos do namorado e quase pular em seu colo no momento em que por um triz não sofrem um acidente.  
Apesar de “Trama Macabra” não se deter sobre os tais aspectos psicológicos que aparecem em obras primorosas de Hitchcock como “Psicose” (1960) e “Os pássaros” (1963) ainda assim o filme permite ao espectador verificar alguns traços hitchcockianos. Por exemplo, na primeira imagem do filme em que os créditos iniciais são apresentados ao espectador com Blanche, sobreposta, no interior de uma bola de cristal verde, isto é, a imagem inicial já anuncia a narrativa fílmica. O cuidado e a astúcia de Hitchcock também aparecem no filme quando o diretor esconde um segredo de forma visível como o diamante na casa de Arthur e Fran que fica preso ao lustre por uma fita adesiva ou ainda a peruca loira de Fran utilizada nos sequestros que é guardada na geladeira do casal. Também existe no filme uma identificação do espectador com ambos os casais de trambiqueiros não apenas por eles lutarem para sobreviver ganhando a vida como podem mesmo que por meios desonestos. Mas, especialmente porque revelam sua contradição humana, ou seja, ao mesmo tempo em que Blanche engana seus clientes com falsas visões parece se comover de alguma forma com a história de Julia Rainbird. Apesar de Arthur ser um sequestrador se mantém a todo o momento do filme leal a sua esposa e Fran enquanto cúmplice do marido, por ajudá-lo com os sequestros, demonstra medo ao acreditar que o casal está prestes a ser descoberto por seus crimes.
É preciso comentar ainda sobre um acontecimento importante na produção de “Trama Macabra” que não esteve presente em outros filmes de Hitchcock, a saber, a possibilidade de os atores principais da trama poder improvisar. Em entrevista a Greg Garret (2011), Karen Black desconstrói a imagem de Hitchcock como um diretor controlador que em muitos filmes não tratava bem o elenco por ser extremamente metódico e perfeccionista. Black afirma que os atores puderam mostrar em “Trama Macabra” algo que não estava no roteiro e, nesse sentido, Hitchcock possibilitou a esses atores liberdade para criarem e improvisarem. Para finalizar, “Trama Macabra” assim como outros filmes de Hitchcock que são considerados como pertencentes a um período de decadência produtiva do diretor como “Cortina rasgada” (1966), “Topázio” (1969) e “Frenezi” (1972) merecem ser assistidos e analisados criticamente não apenas com o intuito de escarafunchar nessas obras traços hitchcockianos, mas procurar por elementos que ajudam a pensar sobre a dimensão humana e o processo formativo contemporâneo.




[1] A apresentação desse filme na presente resenha foi baseada na sinopse de “Trama Macabra/Family Plot” contida na obra “Hitchcock” organizada por Mariana Pinheiro.  (Cf. PINHEIRO, M. (Org.). Hitchcock. Rio de Janeiro: Stamppa, 2011. 416p.)

Referências Bibliográficas
PINHEIRO, M. (Org.). Hitchcock. Rio de Janeiro: Stamppa, 2011. 416 p.
GARRET, G. Sobre Hitchcock: Um painel de discussão com Janet Leigh, Tippi Hedren, Karen Black, Suzanne Pleshette e Eva Marie Saint. In: PINHEIRO, M. (Org.). Hitchcock. Rio de Janeiro: Stamppa, 2011, p. 341-356. 

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