Por: Fernando Cardoso Montes
FICHA TÉCNICA
Título Original: Suspicion
Direção: Alfred
Hitchcock
Roteiro: Samson
Raphaelson, Joan Harrison e Alma Reville
Produção: Harry E.
Edington
Duração: 99
minutos
Elenco: Cary
Grant (Johnnie), Joan Fontaine (Lina), Nigel Bruce (Beaky), Sir Cedric
Hardwicke (General McLaidLaw), Dame May Whitty (Sra. McLaidLaw)
Indicações ao Oscar: Melhor
Filme, Melhor Atriz (Joan Fontaine) e Melhor Trilha Sonora. Venceu na categoria
de Melhor Atriz
O
filme Suspeita (1941) dirigido pelo
mestre do suspense Alfred Hitchcock, foi baseado no romance policial Before the Fact, escrito por France Iles
em 1932. Entretanto, a obra cinematográfica difere muito do romance escrito,
inclusive o final “romantizado”, que levou o próprio Hitchcock a declarar,
certa vez, em entrevista: “Não gosto do fim do filme, mas eu tinha outro,
diferente do romance”. Essa postura reticente do diretor em relação ao final do
filme aparece também em outras obras, visto que ao finalizar seus trabalhos e
apresentar à produtora, estes eram muitas vezes recusados, justamente pelo
compromisso comercial de veiculação das suas obras e, por isso, um final ameno
agradava mais o público e, consequentemente, podia atingir sucesso nas
bilheterias. Dessa forma as provocações e os questionamentos de Hitchcock foram
muitas vezes silenciados pelo tradicional the
end hollywoodiano.
O
filme narra a história de Lina, interpretada pela atriz Joan Fontaine, que
suspeita que seu marido Johnnie, interpretado por Cary Grant, deseja mata-la.
Partindo desse mote, a trama se desenvolve num constante contraste entre cenas
de suspense e humor. Aliado a esses dois personagens principais, ainda temos
Nigel Bruce, interpretando Beaky, o misterioso amigo de Johnnie, que se
apresenta como uma figura que traz bastante força para a obra, uma vez que esse
personagem simboliza muito bem essa relação conflituosa entre suspense e humor,
protagonizando momentos fantásticos do filme.
Deste
modo, no desenrolar da trama, sobretudo na primeira parte do filme, nos
deparamos com cenas carregadas de um humor bastante peculiar, diferente da
tradicional comédia pastelão e do humor sádico, recorrentes na história do
cinema. Esse contraste do humor e suspense pode ser exemplificado ao olharmos
atentamente para o personagem principal, em que Johnnie (Cary Grant) transita
facilmente por cenas extremamente cômicas, como àquela em que conversa com um
retrato de seu sogro na parede e a cena clássica de suspense do copo de leite
em que o personagem sobe a escada com o copo brilhando nas mãos, essa cena -
que até aquele momento do filme não revelava o que havia no copo - é considerada
por muitos críticos uma das mais marcantes da história do cinema. Dessa forma,
podemos perceber que nestas diferentes cenas, Cary Grant parece se desdobrar em
pessoas antagônicas trazendo, até mesmo, a ideia de não ser o mesmo ator que as
interpreta. Assim, cabe destaque para a sua incrível
atuação nessa obra, que foi seu primeiro trabalho com Hitchcock e que o
credenciou à sucessão do aclamado Ivor Novello nos filmes do diretor. E podemos
dizer o mesmo da atriz Joan Fontaine, que ao construir a personagem de Lina,
consegue representar várias facetas de uma mesma mulher, desde a menina
fortemente controlada pelos pais no início da trama, passando pela mulher
apaixonada, até chegar a esposa profundamente assustada e desconfiada. Lembrando
que pela atuação nesse filme, ela venceu o Oscar de melhor atriz, sendo assim,
o único elemento de toda filmografia de Hitchcock que alavancou uma estatueta
do prêmio mais importante do cinema mundial.
Mesmo
com o habitual suspense, traço marcante da filmografia hitchcockiana, como o
caso do personagem Johnnie (Cary Grant), que da primeira à ultima cena carrega
consigo a suspeita de ser culpado, o filme revela também uma forma específica
de Hitchcock trabalhar com o humor, um aspecto marcante e pouco destacado na
obra do cineasta que podemos observar também em outros filmes do diretor como: O Terceiro Tiro (1956), A Dama Oculta (1938) e Quando fala o Coração (1943), entre
outros. Em todas essas obras, podemos detectar uma
forma específica de Hitchcock trabalhar a comicidade, uma vez que percebemos um
humor espontâneo e muitas vezes até descompromissado com a necessidade de aproximação
com o real ou até mesmo desconectado com o enredo da trama, sendo assim o
diretor expõe seu principal recurso para trabalhar com o humor, o ridículo. Essa
condição do ridículo pode desencadear processos de reflexão sobre o pragmatismo
da vida cotidiana e, por conseguinte, nossa própria condição de sujeito
permeada por essa lógica.
E
a partir desses elementos destacamos o forte potencial das obras de Hitchcock,
uma vez que, em sua ampla filmografia o diretor trabalha numa certa variedade
de temas e provocações, sendo capaz fazer severas críticas à sociedade e suas
principais instituições, além de trabalhar questões subjetivas com estreita
relação com a psicanálise e, nessa obra especificamente, mesmo trabalhando com o
suspense, que é sua marca mais contundente, aliado ainda à sua forma peculiar
de trabalhar o humor, nos impele a tomar suas obras no horizonte de
questionamentos e tensões, que repercutem no nosso próprio cotidiano.
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