Um cão andaluz ( Un Chien Andalou) - 1929

Resenha escrita por Luciana Azevedo Rodrigues


Buñuel, depois de afiar sua navalha, desfere-a no olho de uma mulher que apenas espera o mesmo ser seccionado, tal como o espectador aguarda a próxima imagem cinematográfica. De início, ele já diz, em Um cão andaluz (1929), o olho do espectador, é a primeira coisa que precisa ser atingido. A imagem chocante se refere a chocante e permanente vigília do espectador, cada vez menos afeito à imaginação, ao sonho, à linguagem que não informa apenas, mas fundamentalmente, expressa. As imagens fragmentadas, desconexas, que compõem a obra oscilam repetidamente entre a expressão de diferentes formas de agressividade e de busca pela felicidade, a ponto de em determinados momentos mostrarem que uma produz a outra e vice-versa. Isso pode ser percebido quando, o protagonista, após assistir a um atropelamento do alto do quarto de um apartamento ao lado da mulher é tomado pela excitação de possuí-la sexualmente. Sua atração apenas é detida quando ele, de repente, vê-se atado a cordas presas a dois padres, dois pianos enormes, sobre os quais estão dois jumentos mortos. Seus esforços para puxar tamanho peso o aproximam da mulher mas ao mesmo tempo facilitam que ela escape pela porta que não leva a outro lugar senão ao quarto igual ao de onde veio. Neste porém, sobre a cama onde antes a mulher havia distribuído a roupa de trabalho do homem, este em vez de atacá-la, encontra-se deitado, dormindo. Ele apenas é agitado pela campainha e por um homem que após entrar em seu quanto com ele esbraveja atirando seu uniforme de trabalho pela janela. Após colocá-lo de castigo, o agressor se metamorfoseia no homem agredido. Este, em seguida, ao se deparar com ele mesmo, dezesseis anos antes daquele momento, assassina seu eu passado, depois de transformar os livros por este recebidos em armas de fogo. Antes de cair morto, não no quarto mas numa floresta, ele ainda toca o dorso nu da mulher. Em todo filme, é inevitável a sensação de desconfiança sobre o que foi apresentado nas imagens, numa indicação sobre a existência não apenas de uma realidade externa, mas também de uma realidade psíquica, que se constitui a partir de relações concretas, sociais e históricas. Tal desconfiança, entretanto, parece se vincular aquele intuito primordial da obra de Buñuel: de cortar o olho do expectador, que já dá testemunhos de sua dificuldade de fechar os olhos. Estaria o espectador temeroso pelo que poderia passar a ver com os olhos fechados? Para quem ainda não assistiu: não adianta querer ver, é preciso querer ser interrompido, seccionado, afetado em seu ver cada vez mais iluminado, lógico, objetivo mas também sem sentido.

Um comentário: